Embaixo dos edifícios altos. Buenos Aires, construção em altura e cidade

Marcelo Faiden, Javier Agustín Rojas
Concebida com base na tese de doutorado de Marcelo Faiden, esta oficina foi desenvolvida a partir de oito encontros realizados em Buenos Aires. Cada equipe de estudo, composta por arquitetos e estudantes de diferentes idades e localidades da Argentina, sintetizou o seu ponto de vista sobre um edifício particular através da produção de documentos gráficos: um único desenho ou imagem capaz de estabelecer uma posição crítica e oferecer uma peça inédita, uma nova visão sobre algum dos mais de vinte térreos selecionados para estudar e imaginar Buenos Aires. A seguir, serão reproduzidos alguns documentos resultantes, comentados por Marcelo Faiden e acompanhados por um ensaio fotográfico de Javier Agustín Rojas.—

Acreditamos que as cidades são a principal opção para abrigar uma população mundial em crescimento. Sabemos que a compacidade das mesmas é diretamente proporcional à qualidade das suas infraestruturas e que por esta mesma razão, os edifícios altos são uma consequência dificilmente inevitável. A partir deste ponto de vista, a cidade e a construção em altura deixam de ser elementos contrapostos para se transformarem em elementos complementares.

Qualquer cidade que pretenda ser suficientemente densa e compacta para se aproximar de uma demografia ideal necessitará contar com uma boa proporção de edifícios altos dentro do seu tecido. Mas ao mesmo tempo, a intensidade de uso de qualquer construção em altura dependerá de uma diversidade de fluxos energéticos e circulatórios, que somente uma cidade densa e compacta pode garantir.

Se a construção em altura e a cidade compacta são os elementos que dominam este cenário, os térreos desses edifícios se conformam como o espaço de contato entre essas partes, o lugar onde se evidenciam os seus conflitos e interesses. A partir desta perspectiva, o título deste seminário torna-se um plano de ação… Mas onde começam e onde terminam os térreos dos edifícios altos?

Durante esta oficina, ensaiamos diferentes descrições deste espaço volúvel, tão difícil de ser delimitado, ligado a costumes, programas e usuários sempre mutantes. Posicionamo-nos na intersecção, no instante anterior à aterrisagem do edifício: esse confuso mundo onde o público e o privado se reordenam, onde o solo da cidade se eleva e, ao mesmo tempo, o edifício desce ao seu encontro.

A partir daí, presenciamos a evolução da construção em altura para logo voltar o nosso olhar em direção à cidade de Buenos Aires, focando-nos nos térreos com a intenção de abranger as principais técnicas de projeto do século XX. Acreditamos que definir os limites deste espaço e o seu campo de ação outorgará novos argumentos para participar nas negociações que condicionarão o entorno contemporâneo.—

José Aslan, Héctor Ezcurra. Associação Cultural Inglesa. Buenos Aires, 1969.
Com o objetivo de desencorajar a circulação vertical mecanizada, os quatro andares de salas de aula estão distribuídos simetricamente por cima e por baixo do nível da rua. A peça gráfica de Olivia Gorodisch e Julia Yabkowski descreve cada um dos episódios que este ponto de partida desencadeia: começando pela organização espacial do pavilhão, passando pelos pátios ingleses equipados, até descrever o recuo equidistante das duas fachadas edificadas.
Mario Roberto Álvarez e Associados. Bolsa de Comércio de Buenos Aires, 1972-1977.
A axonométrica explodida apresentada por Ary Altman e Lucas Jalife mostra o edifício como um fragmento da Cité des Affaires. Posicionado sobre o mesmo barranco e a apenas 400 metros do projeto das quadro torres de Le Corbusier sobre o Rio de la Plata, uma mesma plataforma horizontal absorve o programa de maior capacidade enquanto busca eludir visualmente a Avenida Leandro Alem, completando a sua galeria coberta e criando um novo suporte para posicionar a torre.
Jorge Ferrari Hardoy, Juan Kurchan. Edifício Los Eucaliptus. Buenos Aires, 1941.
Se a construção em altura nasceu nos Estados Unidos, incrustada no tecido da cidade para logo após obter a sua versão objetualizada idealizada pelos modernistas da Europa, este caso pode ser descrito como a intersecção de ambas as tradições. Mora Linares, Agustina Pera e Lucia Viviani detalham a superposição do jardim moderno dentro dos limites de um lote urbano. A distância contemplativa mediada pela natureza é obtida aqui através do deslocamento da edificação em direção ao fundo do terreno, antepondo um jardim que estende o seu traçado pitoresco por baixo do bloco de apartamentos. A estrutura formal do seu fechamento contrasta com a geometria do novo jardim, confirmando assim uma nova iteração das técnicas de projeto que ambos aprenderam durante os seus dias na Rue de Sèvres.
Mario Roberto Álvarez, José Aslán, Héctor Ezcurra, Alfredo Joselevich, Alberto Víctor Ricur. Edifício Panedile. Buenos Aires, 1964.
Luis Miguel Morea, Alberto Morea. Edifício Aráoz 2989. Buenos Aires, 1959.
Jorge Bunge, Gregorio Luis Sánchez, Ernesto Lagos, Luis María de La Torre, Antonio Vilar, Héctor Morixe, Arnoldo Jacobs, Rafael Giménez e Abelardo Falomir. Automóvil Club Argentino, Sede Central. Buenos Aires, 1941-1943.
Agustín Lanfrit, Emmanuel Haring, Carla Ruótolo colocam em evidência a complementariedade entre escala e programa que existe entre a Avenida del Libertador e o Posto Central de Gasolina e Serviços: um volume semicircular oculto atrás do bloco principal cuja organização responde à circulação vertical dos mesmos automóveis que circulam pela avenida.
Mario Roberto Álvarez e Associados. Edifício Talcahuano 901. Buenos Aires, 1964-1965.
O térreo livre moderno, concebido para permitir a continuidade do solo natural por baixo da arquitetura, renova o seu sentido ao ser ensaiado no centro da cidade. Constanza Otero e Araceli Toledo estudam como a mesma técnica de projeto, a criação do vão livre, pode se colocar em contra daquilo que inicialmente se buscava evitar: aqui um posto de gasolina localizado embaixo de um edifício de apartamentos.
SEPRA. Edifício República. Buenos Aires, 1951.
Charlotte Bovy e Guido Mazzera nos lembram da fragilidade dos térreos livres modernos ao se enfrentarem com entornos urbanos submetidos à pressão especulativa do solo. Os térreos, que em algum momento abrigaram cabines telefônicas para ligações internacionais mais importantes de Buenos Aires, ficaram obsoletos no mesmo momento em que as novas tecnologias substituem a necessidade do programa que abriga.
Mario Roberto Álvarez, José Aslán, Héctor Ezcurra, Alfredo Joselevich, Alberto Víctor Ricur. Edifício Bank of America. Buenos Aires, 1963-1965.
Clorindo Testa e SEPRA. Banco de Londres y América del Sur. Buenos Aires, 1960-1966.
Clorindo Testa, Francisco Bullrich, Alicia Cazzaniga. Biblioteca Nacional Mariano Moreno. Buenos Aires, 1962-1993.
Esta axonométrica coloca em evidência o caráter mediador do embasamento, capaz de se comunicar com mundos tão divergentes como o cotidiano da rua pública e a solenidade das salas de leitura elevadas ou “separadas do mundo”. Joaquín Venditti e Rosendo Gagliano fixam a sua atenção sobre o fragmento menos heroico do projeto, sobre a peça responsável por resolver as trocas com a cidade, de absorber a contingência, de mediar com a topografia, de organizar os programas atípicos e preparar o terreno para que a peça mais representativa pouse livremente sobre ela. 
Gregorio Luis Sánchez, Ernesto Lagos e Luis María De la Torre. Torre Kavanagh. Buenos Aires, 1934-1936.
O trabalho de Josefina Sposito e Juan Campanini explora como as novas infraestruturas da cidade estão enlaçadas com a trama técnica da torre. Este novo corte oferece uma imagem atualizada ao sobrepor sistemas originais a outros desenvolvidos ao longo do tempo. O documento gráfico outorga idêntica hierarquia visual aos dispositivos técnicos públicos, coletivos e privados, insistindo assim na complementariedade de cada uma das categorias, tradicionalmente separadas a partir de um ponto de vista cultural e normativo.
Embaixo dos edifícios altos. Buenos Aires, construção em altura e cidade, foi publicada na seção de Teoria da PLOT 54.
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