Muros de Ar

10 Cartografias do Pavilhão do Brasil para a 16ª Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza.

Fotografia Images Subliminal

O conceito e título Muros de Ar foi pensado para responder à proposta Freespace, das curadoras Yvonne Farrell e Shelley McNamara, como uma provocação capaz de questionar as diferentes formas de muros que constroem, em diversas escalas, o território brasileiro e as fronteiras da própria arquitetura em relação a outras disciplinas.

Assim, se iniciou uma reflexão sobre o quanto a arquitetura no Brasil e seus desdobramentos urbanos são de fato, livres. Sem a pretensão de chegar a uma resposta, mas com a ambição de abrir a conversa para um público grande e diverso, optamos por tentar tornar visíveis processos que muitas vezes não são percebidos, em função de sua natureza ou escala. As barreiras imateriais que são erguidas entre pessoas ou bairros, e os processos de urbanização do Brasil em uma escala continental são exemplos de questões sobre as quais nos debruçamos.

O conteúdo foi construído a partir do mais amplo entendimento possível da arquitetura, relacionando a disciplina aos diversos campos e forças que compõem o meio físico contemporâneo.

Para pesquisar cada uma destas abordagens – e materializar a intenção de envolver uma equipe maior e mais diversa no processo de construção da exposição –, se creo um conselho multidisciplinar e convidamos para participar dele agentes e profissionais de destaque em campos variados: cineastas, historiadores, incorporadores imobiliários, ativistas, artistas, empresários, geógrafos, antropólogos, médicos, gestores públicos, matemáticos, advogados, pixadores e cientistas de dados.

Juntaram-se à consultoria e ao intercâmbio com estes profissionais dinâmicas de trabalho envolvendo mais de sessenta imigrantes; um workshop com estudantes do mestrado da escola de arquitetura do Massachusetts Institute of Technology (MIT); e, sobretudo, a mineração rigorosa de dados realizada por nossa equipe de jovens arquitetos: baseados em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York e Boston, eles se dedicarão exclusivamente a dar consistência e precisão à pesquisa.

O resultado desta complexa constelação de pessoas, que trabalharão incessantemente durante seis meses, toma no Pavilhão do Brasil a forma de dez grandes desenhos cartográficos. Com 3 × 3 metros cada um, foram criados especificamente para a mostra Muros de ar, e cartografam de forma minuciosa as dez abordagens que nos parecem relevantes na prática daqueles que são responsáveis por construir o meio físico, sejam arquitetos ou não.

1. Crossbreedings – Arquitetos brasileiros no exterior
Colaboradores Eduardo Aquino, Claudio Haddad, Ana Luiza Nobre.

Quão franca é a troca dos arquitetos brasileiros com o mundo?

A figura do arquiteto é cada vez mais associada com aquela do cidadão global. Especificamente no Brasil, o crescente movimento de estudantes e profissionais de arquitetura para o exterior tem sido motivado por melhores oportunidades de desenvolvimento de carreira frente à instabilidade econômica do país. Essa condição de trocas internacionais traz à tona questões sobre a permeabilidade da disciplina com relação a influências internacionais, sobre as condições do mercado nacional, e sobre os benefícios de práticas globais.

O mapa ” Cruzamentos ” privilegia o continente americano e as zonas ocidentais da Europa onde as trocas são as mais importantes. Nessas áreas geográficas, os “picos” representam o número de estudantes brasileiros de arquitetura recebidos entre 1998 e 2016.

No território brasileiro, cada spike representa o número de arquitetos registrados e ativos em cada cidade, de acordo com as informações do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU).

2. Human Flows – Assimilação cultural como diluição de barreiras

Quão aberto é o Brasil à recepção de imigrantes?

“Fluxos Humanos“ propõe visualizar as diversas ondas de deslocamento de pessoas para o Brasil, responsáveis por uma composição social e urbana cada vez mais complexa nas últimas décadas. Uma análise socioespacial do território brasileiro tenta entender quão aberto o país é para imigrantes, e quão viável é a extinção de barreiras sociais, culturais e políticas intrínsecas aos fluxos internacionais de pessoas.

O mapa resume os fluxos migratórios durante o período entre 2000 e 2016 e divide-os em fluxos de entrada de refugiados (a vermelho) e fluxos de entrada de migrantes internacionais (a azul).

Colaboradores Carla e Eliane Caffé, Ana Carolina Tonetti e Ligia Nobre, Paula Miraglia, Gabriel Zanlorenssi e Rodolfo Almeida Workshop: Angela Quinto, Carmen Silva, Cássia Fellet, Juliana Caffé, Preta Ferreira, Nathalia Lima, Thalissa Burgi, Rafael Migliatti, + 63 imigrantes.
3. Material Flows – Rastros físicos da negociação de commodities
Colaboradores Sérgio Besserman, Philip Yang e Marcela Ferreira.

Quão sensível é o ambiente urbano à movimentação de commodities?

“Fluxos Materiais” apresenta a paisagem criada pelo impacto da produção primária no Brasil, focando especialmente em quarto questões: a tradução especial de commodities brasileiros; como commodities circulam pelo país; qual a proporção entre produtos de importação e exportação, e quais as implicações urbanas de tal dinâmica. O objetivo é visualizer a localização e escala de tais produções.

Dados de companhias logísticas nacionais foram transformados em uma rede de eixos e nódulos. Os eixos representam a circulação de commodities entre micro-regiões brasileiras, enquanto os nódulos indicam os pontos centrais de cada uma dessas regiões. Esses fluxos envolvem os quarto tipos de commodities transportadas no país: carga geral, carga líquida, granel sólido agrícola e granel sólido não-agrícola.

4. Fluid Landscape – Encontro dos ecossistemas natural e humano

 Quão desregulada é a relação entre os ecossistemas humano e natural?

“Paisagem Fluida” reflete sobre as causas e efeitos do impacto humano em sistemas naturais a partir da perspectiva do processo de urbanização do Brasil, um país de proporções continentais. O mapa demonstra como eventos aparentemente não relacionados, no norte do país – as correntes de ventos próximas à linha do Equador (setas brancas), e a produção de vapor de água pela floresta Amazônica (gradiente azul) – são responseveis pelo território fértil em que as cidades do Sudeste do país prosperam.

O mapa também aponta os riscos que nossas cidades enfrentam devido à destruição de nossas florestas, ainda que milhares de quilômetros as separem. O gradiente entre amarelo e vermelho representa a intensidade das emissões de carbono pela perda de biomassa – desmatament. O mapa enfatiza como o esgotamento da Amazônia contribui não somente para o aquecimento global mas também afeta a possibilidade de manutenção de vida em grandes cidades.

Colaboradores Antonio Donato Nobre, Paulo Tavares e Álvaro Rodrigues dos Santos.
5. The Map is not the Territory – O redesenho da fronteira
Colaboradores Ailton Krenak, Gabriel Duarte, Celma Chaves Pont Vidal.

Quão desimpedido é o acesso à fronteira brasileira?

“O Mapa não é o Território” é baseado no princípio que representações cartográficas tradicionais não representam a complexidade das condições territoriais. Ainda que resultado de decisões políticas e históricas, é impossível entender a relação entre territórios baseado somente em linhas de fronteiras. Fronteiras não define monde começam ou terminam identidades. Como alternativa a assumir um papel restritivo, de contenção, a fronteira deve ser representada como uma coleção de sistemas, ecossistemas naturais, grupos sociais, conflitos, pontos de cruzamento e outros elementos que a cercam. A fronteira deve ser vista através de lentes que apontam as possibilidade de intercâmbio, e não de divisão. A fronteira pode ser o lugar em que diferentes estruturas culturais, sociais, físicas, geográficas, ambientais e econômicas se encontram e se complementam.

6. Succession of Edges – Narrativas da construção de um pais urbano

Quão desvinculada de um projeto coeso de pais tem sido a formação urbana do Brasil?

“Sucessão de Bordas” considera o tema Muros de Ar através da escala temporal do processo de urbanização no Brasil. Uma análise histórica tem como objetivo mostrar os diferentes momentos em que a compreensão sobre o que é Brasil mudou, como resultado de transformações morfológicas no território.

A análise expõe como urbanização não foi um processo uniforme no Brasil, destacando momentos-chave em que a forma do país e da configuração de suas cidades mudou e, por consequência, propôs um novo entendimento do que é o país. Além disso, o mapa reflete sobre a densa concentração de cidades ao longo da costa Atlântica e, simultaneamente, a exclusão de populações indígenas do planejamento de tal expansão urbana apesar de seu papel fundamental na construção do país.

Colaboradores Luiz Felipe de Alencastro, Antonio Risério, Iris Kantor.
7. Geography of the Real Estate Market – Discordâncias entre as agendas do capital e da arquitetura
Colaboradores Claudio Bernardes, Danilo Igliori, DataZap e Sergio Castelani, Eudoxios Anastassiadis.

Quão desobstruída é a agenda do Mercado Imobiliário em relação àquela da Arquitetura?

Residências de classes média e alta, prédios comerciais, e shoppings constituem o caráter dos projetos com maior metragem construída no Brasil. “Geografia dos Investimentos Imobiliários” considera o tema Muros de Ar através de uma análise dessa paisagem de prédios ordinários, e das forças que a constroem.

O mapa apresenta tais aspectos por meio da deformação do território de acordo com a concentração regional do investimento – quanto maior o PIB da cidade, maior o aumento de suas coordenadas latitudinais e longitudinais. Ainda seguindo a lógica da deformação baseada em maiores valores imobiliários, spikes representam a valorização da terra em aglomerações urbanas e rurais – quanto maior o preço, maiores e mais escuros spikes.

Dados sobre as indústrias de arquitetura e construção civil são incorporados em gráficos de barras que representam o número de empresas e empregados em cada setor. A discrepância entre os números para cada um revela um muro que separa duas atividades que deveriam trabalhar em conjunto.

8. Inhabiting the House or the City? – O Impacto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida

Quão generosos são os programas habitacionais brasileiros em oferecer o direto à cidade?

“Habitar a Casa ou a Cidade?” considera o tema Muros de Ar por meio do estudo do programa federal Minha Casa Minha Vida – MCMV, a maior iniciativa habitacional implementada no Brasil. De acordo com o governo brasileiro, 2,6 milhões de casas foram entregues à população. A pesquisa, feita em colaboração com LabCidade – FAUUSP e ETH, mapeia quatro escalas do programa: uma visão geral de seu impacto no país, uma análise dos complexos habitacionais em relação à localização de centros urbanos, e visões detalhas das tipologias desses complexos, como bairros e unidades habitacionais.

Além disso, o mapa apresenta uma linha do tempo da habitação no Brasil, evidenciando aspectos socioeconômicos bem como informações relevantes para cada escala da abordagem, tais como macro e micropolíticas federais desde 1930, déficit habitacional, PIB, crescimento populacional e investimento financeiro.

Colaboradores Drauzio Varella, Elisabete França, Raquel Rolnik, ETH (Marc Angélil, Rainer Hehl, Patricia Lucena Ventura), Quapa FAUUSP, LabCidade FAUUSP, Rede Cidade e Moradia.
9. Solid Divisions – Fronteiras na cidade
Colaboradores Gilson Rodrigues, Marcos L. Rosa, Rodrigo Agostinho, Bruno Santa Cecília, gru.a + oco, Escola da Cidade (Pedro Vada (coordinador), Newton Massafumi, Pedro M. R. Sales, Beatriz Dias, Bruna Marchiori, Giulia Ribeiro, Isabela Moraes, Karime Zaher, Marilia Serra, Mateus Loschi, Pedro H Norberto).

Quão livre é a transposição de limites entre tecidos urbanos distintos?

À medida que crescem, cidades encaram desafios similares: infraestrutura precária e insuficiente; canalização de rios poluídos; falta de áreas verdes, parques urbanos e espaços públicos; viadutos, ruas e rodovias que fragmentam o território; o surgimento de lotes murados e monitorados por equipamentos eletrônicos; e, finalmente, uma vida urbana cada vez mais privada, entre muros.

“Divisões Sólidas” explora os muros presentes em 30 cidades brasileiras. O mapa contrasta elementos naturais tais como topografia e rios, com estruturas artificiais e modificações na paisagem que representam barreiras físicas e divisões no tecido urbano. A identificação dessas estruturas artificiais no território foram extraídas do extenso catálogo desenvolvido pelo grupo de pesquisa Quapa (FAUUSP), que analisa a morfologia e área construída de cidades brasileiras de acordo com parâmetros que definem o nível de segregação em cada bloco da cidade.

10. The Encryption of Power – Desobediência e Exclusão na Cidade

Quão liberador pode ser o Pixo em revelar as lógicas de poder da cidade?

“Criptografia das Relações de Poder” considera muros literais como seu objeto de análise para entender o papel do Pixo em subverter as fronteiras entre o público e o privado nas cidades. A prática é uma expressão ilegal que corrobora com a denúncia de problemas críticos de concentração de capital e distribuição de renda no ambiente urbano. Os prédios alvo são prédios de alta classe, marcos emblemáticos e estruturas abandonadas devido às dinâmicas do mercado e transações burocráticas. Eles representam áreas gerais das quais a população marginalizada foi excluída, ou em que a negligência do capital e do governo levou a cidade a ruínas que celebram o abuso de poder.

Para revelar os locais que registraram eventos do Pixo e para refletir sobre a lógica de poder na cidade através dessa prática, o mapa foca na área do centro de São Paulo, cidade que é conhecida como o berço do Pixo. Usando dados coletados de 12.853 publicações no Instagram – e portanto engajando a importância de mídias sociais na cultura urbana contemporânea – é possível visualizar a distribuição geográfica das menções a “pixo”, “pixação”, e “xarpi”.

Colaboradores Cripta Djan, Kenarik Boujikian, Paulo Orenstein, Victor Carvalho Pinto, Carolina Passos, Escola da Cidade (Pedro Vada (coordinator), Newton Massafumi, Pedro M. R. Sales, Beatriz Dias, Bruna Marchiori, Giulia Ribeiro, Isabela Moraes, Karime Zaher, Marilia Serra, Mateus Loschi, Pedro H Norberto).

Mais informações sobre os mapas e as instituições responsáveis podem ser encontradas no site da Bienal de Veneza!