O conceito e título Muros de Ar foi pensado para responder à proposta Freespace, das curadoras Yvonne Farrell e Shelley McNamara, como uma provocação capaz de questionar as diferentes formas de muros que constroem, em diversas escalas, o território brasileiro e as fronteiras da própria arquitetura em relação a outras disciplinas.
Assim, se iniciou uma reflexão sobre o quanto a arquitetura no Brasil e seus desdobramentos urbanos são de fato, livres. Sem a pretensão de chegar a uma resposta, mas com a ambição de abrir a conversa para um público grande e diverso, optamos por tentar tornar visíveis processos que muitas vezes não são percebidos, em função de sua natureza ou escala. As barreiras imateriais que são erguidas entre pessoas ou bairros, e os processos de urbanização do Brasil em uma escala continental são exemplos de questões sobre as quais nos debruçamos.
O conteúdo foi construído a partir do mais amplo entendimento possível da arquitetura, relacionando a disciplina aos diversos campos e forças que compõem o meio físico contemporâneo.
Para pesquisar cada uma destas abordagens – e materializar a intenção de envolver uma equipe maior e mais diversa no processo de construção da exposição –, se creo um conselho multidisciplinar e convidamos para participar dele agentes e profissionais de destaque em campos variados: cineastas, historiadores, incorporadores imobiliários, ativistas, artistas, empresários, geógrafos, antropólogos, médicos, gestores públicos, matemáticos, advogados, pixadores e cientistas de dados.
Juntaram-se à consultoria e ao intercâmbio com estes profissionais dinâmicas de trabalho envolvendo mais de sessenta imigrantes; um workshop com estudantes do mestrado da escola de arquitetura do Massachusetts Institute of Technology (MIT); e, sobretudo, a mineração rigorosa de dados realizada por nossa equipe de jovens arquitetos: baseados em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York e Boston, eles se dedicarão exclusivamente a dar consistência e precisão à pesquisa.
O resultado desta complexa constelação de pessoas, que trabalharão incessantemente durante seis meses, toma no Pavilhão do Brasil a forma de dez grandes desenhos cartográficos. Com 3 × 3 metros cada um, foram criados especificamente para a mostra Muros de ar, e cartografam de forma minuciosa as dez abordagens que nos parecem relevantes na prática daqueles que são responsáveis por construir o meio físico, sejam arquitetos ou não.
1. Crossbreedings – Arquitetos brasileiros no exterior
Quão franca é a troca dos arquitetos brasileiros com o mundo?
A figura do arquiteto é cada vez mais associada com aquela do cidadão global. Especificamente no Brasil, o crescente movimento de estudantes e profissionais de arquitetura para o exterior tem sido motivado por melhores oportunidades de desenvolvimento de carreira frente à instabilidade econômica do país. Essa condição de trocas internacionais traz à tona questões sobre a permeabilidade da disciplina com relação a influências internacionais, sobre as condições do mercado nacional, e sobre os benefícios de práticas globais.
O mapa ” Cruzamentos ” privilegia o continente americano e as zonas ocidentais da Europa onde as trocas são as mais importantes. Nessas áreas geográficas, os “picos” representam o número de estudantes brasileiros de arquitetura recebidos entre 1998 e 2016.
No território brasileiro, cada spike representa o número de arquitetos registrados e ativos em cada cidade, de acordo com as informações do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU).
2. Human Flows – Assimilação cultural como diluição de barreiras
Quão aberto é o Brasil à recepção de imigrantes?
“Fluxos Humanos“ propõe visualizar as diversas ondas de deslocamento de pessoas para o Brasil, responsáveis por uma composição social e urbana cada vez mais complexa nas últimas décadas. Uma análise socioespacial do território brasileiro tenta entender quão aberto o país é para imigrantes, e quão viável é a extinção de barreiras sociais, culturais e políticas intrínsecas aos fluxos internacionais de pessoas.
O mapa resume os fluxos migratórios durante o período entre 2000 e 2016 e divide-os em fluxos de entrada de refugiados (a vermelho) e fluxos de entrada de migrantes internacionais (a azul).
3. Material Flows – Rastros físicos da negociação de commodities
Quão sensível é o ambiente urbano à movimentação de commodities?
“Fluxos Materiais” apresenta a paisagem criada pelo impacto da produção primária no Brasil, focando especialmente em quarto questões: a tradução especial de commodities brasileiros; como commodities circulam pelo país; qual a proporção entre produtos de importação e exportação, e quais as implicações urbanas de tal dinâmica. O objetivo é visualizer a localização e escala de tais produções.
Dados de companhias logísticas nacionais foram transformados em uma rede de eixos e nódulos. Os eixos representam a circulação de commodities entre micro-regiões brasileiras, enquanto os nódulos indicam os pontos centrais de cada uma dessas regiões. Esses fluxos envolvem os quarto tipos de commodities transportadas no país: carga geral, carga líquida, granel sólido agrícola e granel sólido não-agrícola.
4. Fluid Landscape – Encontro dos ecossistemas natural e humano
Quão desregulada é a relação entre os ecossistemas humano e natural?
“Paisagem Fluida” reflete sobre as causas e efeitos do impacto humano em sistemas naturais a partir da perspectiva do processo de urbanização do Brasil, um país de proporções continentais. O mapa demonstra como eventos aparentemente não relacionados, no norte do país – as correntes de ventos próximas à linha do Equador (setas brancas), e a produção de vapor de água pela floresta Amazônica (gradiente azul) – são responseveis pelo território fértil em que as cidades do Sudeste do país prosperam.
O mapa também aponta os riscos que nossas cidades enfrentam devido à destruição de nossas florestas, ainda que milhares de quilômetros as separem. O gradiente entre amarelo e vermelho representa a intensidade das emissões de carbono pela perda de biomassa – desmatament. O mapa enfatiza como o esgotamento da Amazônia contribui não somente para o aquecimento global mas também afeta a possibilidade de manutenção de vida em grandes cidades.
5. The Map is not the Territory – O redesenho da fronteira
Quão desimpedido é o acesso à fronteira brasileira?
“O Mapa não é o Território” é baseado no princípio que representações cartográficas tradicionais não representam a complexidade das condições territoriais. Ainda que resultado de decisões políticas e históricas, é impossível entender a relação entre territórios baseado somente em linhas de fronteiras. Fronteiras não define monde começam ou terminam identidades. Como alternativa a assumir um papel restritivo, de contenção, a fronteira deve ser representada como uma coleção de sistemas, ecossistemas naturais, grupos sociais, conflitos, pontos de cruzamento e outros elementos que a cercam. A fronteira deve ser vista através de lentes que apontam as possibilidade de intercâmbio, e não de divisão. A fronteira pode ser o lugar em que diferentes estruturas culturais, sociais, físicas, geográficas, ambientais e econômicas se encontram e se complementam.
6. Succession of Edges – Narrativas da construção de um pais urbano
Quão desvinculada de um projeto coeso de pais tem sido a formação urbana do Brasil?
“Sucessão de Bordas” considera o tema Muros de Ar através da escala temporal do processo de urbanização no Brasil. Uma análise histórica tem como objetivo mostrar os diferentes momentos em que a compreensão sobre o que é Brasil mudou, como resultado de transformações morfológicas no território.
A análise expõe como urbanização não foi um processo uniforme no Brasil, destacando momentos-chave em que a forma do país e da configuração de suas cidades mudou e, por consequência, propôs um novo entendimento do que é o país. Além disso, o mapa reflete sobre a densa concentração de cidades ao longo da costa Atlântica e, simultaneamente, a exclusão de populações indígenas do planejamento de tal expansão urbana apesar de seu papel fundamental na construção do país.
7. Geography of the Real Estate Market – Discordâncias entre as agendas do capital e da arquitetura
Quão desobstruída é a agenda do Mercado Imobiliário em relação àquela da Arquitetura?
Residências de classes média e alta, prédios comerciais, e shoppings constituem o caráter dos projetos com maior metragem construída no Brasil. “Geografia dos Investimentos Imobiliários” considera o tema Muros de Ar através de uma análise dessa paisagem de prédios ordinários, e das forças que a constroem.
O mapa apresenta tais aspectos por meio da deformação do território de acordo com a concentração regional do investimento – quanto maior o PIB da cidade, maior o aumento de suas coordenadas latitudinais e longitudinais. Ainda seguindo a lógica da deformação baseada em maiores valores imobiliários, spikes representam a valorização da terra em aglomerações urbanas e rurais – quanto maior o preço, maiores e mais escuros spikes.
Dados sobre as indústrias de arquitetura e construção civil são incorporados em gráficos de barras que representam o número de empresas e empregados em cada setor. A discrepância entre os números para cada um revela um muro que separa duas atividades que deveriam trabalhar em conjunto.
8. Inhabiting the House or the City? – O Impacto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida
Quão generosos são os programas habitacionais brasileiros em oferecer o direto à cidade?
“Habitar a Casa ou a Cidade?” considera o tema Muros de Ar por meio do estudo do programa federal Minha Casa Minha Vida – MCMV, a maior iniciativa habitacional implementada no Brasil. De acordo com o governo brasileiro, 2,6 milhões de casas foram entregues à população. A pesquisa, feita em colaboração com LabCidade – FAUUSP e ETH, mapeia quatro escalas do programa: uma visão geral de seu impacto no país, uma análise dos complexos habitacionais em relação à localização de centros urbanos, e visões detalhas das tipologias desses complexos, como bairros e unidades habitacionais.
Além disso, o mapa apresenta uma linha do tempo da habitação no Brasil, evidenciando aspectos socioeconômicos bem como informações relevantes para cada escala da abordagem, tais como macro e micropolíticas federais desde 1930, déficit habitacional, PIB, crescimento populacional e investimento financeiro.
9. Solid Divisions – Fronteiras na cidade
Quão livre é a transposição de limites entre tecidos urbanos distintos?
À medida que crescem, cidades encaram desafios similares: infraestrutura precária e insuficiente; canalização de rios poluídos; falta de áreas verdes, parques urbanos e espaços públicos; viadutos, ruas e rodovias que fragmentam o território; o surgimento de lotes murados e monitorados por equipamentos eletrônicos; e, finalmente, uma vida urbana cada vez mais privada, entre muros.
“Divisões Sólidas” explora os muros presentes em 30 cidades brasileiras. O mapa contrasta elementos naturais tais como topografia e rios, com estruturas artificiais e modificações na paisagem que representam barreiras físicas e divisões no tecido urbano. A identificação dessas estruturas artificiais no território foram extraídas do extenso catálogo desenvolvido pelo grupo de pesquisa Quapa (FAUUSP), que analisa a morfologia e área construída de cidades brasileiras de acordo com parâmetros que definem o nível de segregação em cada bloco da cidade.
10. The Encryption of Power – Desobediência e Exclusão na Cidade
Quão liberador pode ser o Pixo em revelar as lógicas de poder da cidade?
“Criptografia das Relações de Poder” considera muros literais como seu objeto de análise para entender o papel do Pixo em subverter as fronteiras entre o público e o privado nas cidades. A prática é uma expressão ilegal que corrobora com a denúncia de problemas críticos de concentração de capital e distribuição de renda no ambiente urbano. Os prédios alvo são prédios de alta classe, marcos emblemáticos e estruturas abandonadas devido às dinâmicas do mercado e transações burocráticas. Eles representam áreas gerais das quais a população marginalizada foi excluída, ou em que a negligência do capital e do governo levou a cidade a ruínas que celebram o abuso de poder.
Para revelar os locais que registraram eventos do Pixo e para refletir sobre a lógica de poder na cidade através dessa prática, o mapa foca na área do centro de São Paulo, cidade que é conhecida como o berço do Pixo. Usando dados coletados de 12.853 publicações no Instagram – e portanto engajando a importância de mídias sociais na cultura urbana contemporânea – é possível visualizar a distribuição geográfica das menções a “pixo”, “pixação”, e “xarpi”.
Mais informações sobre os mapas e as instituições responsáveis podem ser encontradas no site da Bienal de Veneza!